"SOFRI UMA ENTREVISTA..."


Ao reencontrar um amigo de longo tempo, fui surpreendido pela solicitação de dar uma entrevista sobre samba de raiz para trabalho na faculdade de jornalismo. Brincando, ele cantarolou um verso do partido  alto do Aniceto do Império que diz assim: "Sofri uma entrevista esta manhã" que reflete bem a "cabreiragem" que o fato  provoca. O tema é agradável porém tentei ser o mais sucinto possível. Aí vai o recado.

Claudio Zumckeller/Dorinho Marques
SAMBA DE RAIZ, um recado de quem conhece a matéria.
por Claudio Zumckeller

Faz alguns anos que eu não falo com o “Dorivalinho”, era assim que a dona Nonô, sua mãe, carinhosamente o chamava acrescentando. ” Trás os moços que o café está servido”. Essa fala atravessava generosamente, por vezes algum trabalho do nosso tempo de barracos da Filosofia (USP), em outras algum acerto para o próximo futebol varzeano, ou ainda a busca juvenil por versos e acordes para uma nova canção. Bons tempos!
Dois dias após o email em que solicito o depoimento, recebo o telefonema. A mesma fala pausada, a atenção distinguida de sempre. “Vejamos se posso ajudar, vou mandar meu recado, obrigado pela lembrança!”, E emendou a sorrir “Eu já ando fritando vela para comer torresmo”.
- Sem conter o riso, vou direto ao assunto
- Então diz aí meu irmão: o que é samba de raiz.
Dorinho Marques: o samba de raiz, tem ancestralidade africana. Um dia cruzou o mar nos navios tumbeiros e desembarcou nas senzalas, alojou-se nos morros e favelas e depois “ganhou” o asfalto das cidades. Bahia e Rio de Janeiro são estados onde o samba ocorre mais vigorosamente. Várias outras localidades preservam o gênero ora mais rural ora mais urbano apenas não repercute nos meios de comunicação de massa. Nesses escabrosos caminhos o samba segue conservando sua identidade. Dinâmico, ele é a soma da polirritmia dos batuques com a riqueza da língua portuguesa. Resiste contra falsificações, vulgarizações e a concorrência massiva de outros cânticos. Tradicionalista em atitudes e valores, porém aberto a inovações que respeitem a sua linha evolutiva transmitida hierarquicamente, de mestre para aprendiz. O samba tem muitas vertentes, e o “de raiz” é uma delas, conservando a sua forma mais autêntica nas rodas improvisadas de canto e dança com a participação coletiva dos sambistas. Hoje, nos grandes centros urbanos, existem comunidades revitalizando o seu legado. Em São Paulo, partindo da periferia, existem cinqüenta ou mais núcleos de novos sambistas que defendem a bandeira e que realizam um trabalho que as escolas de samba, salvo exceções, não fazem. O importante desse movimento é que muitas pessoas podem desenvolver sua vocação musical, preservando uma cultura genuína ou simplesmente, divertirem-se com música que é a melhor maneira de celebrar.
Passados alguns dias recebo o email:
“Claudio, aí vai um samba novo de partido alto que é meio como uma
carta de referência para o perfil. Abraço!”


MACUCO NO BORNAL
                                              Dorinho Marques
Salve dona da casa salve quem é de sambar
Boa noite aos convidados quero me apresentar
Venho de longe tenho histórias pra contar
Mas não sou de cerimônia o samba não pode parar
E aviso aos batuqueiros tem macuco no bornal
     
Trago abraços de amigos de fé de outras paragens
E os versos de um novo samba que aprendi nas rodas da malandragem
Trago flores pras lindas pastoras do canto coral
Pras crianças um cesto de doces na graça que trouxe ao nosso quintal  
         
Trago marcas de longas batalhas onde eu combati
Mas ali não fui sozinho tive quem zelou por mim 
E a bonança onde essa estrada um dia vai dar 
É a paga da recompensa de quem nunca parou de lutar  
   
Abre a roda partideiro entra quem quiser rimar 
Porém se não tem afinidade busca outra atividade
O samba não pode parar...                      
Porém se não tem vocabulário não dá uma de otário
O samba não pode parar...    
Já peguei meu pergaminho que eu suei pra conquistar
O samba não pode parar...
Encontrei pelo caminho gente boa e gente má
O samba não pode parar...      
Não dê mole a vagabundo que é pro mal não se criar 
O samba não pode parar... 
Meu respeito à velha guarda que pediu para firmar
O samba não pode parar...




- No final, desta vez, sem o café da Dona Nonô, tocamos velhos sambas da parceria, combinamos outras coisas para uma outra  hora sempre seguindo a velha rima...


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