BETO CACHIMBINHO - O ALAGBÊ
Beto
Cachimbinho - Corpo franzino, ágil, batuqueiro nato, tive o
privilégio de conviver com ele em várias situações da vida. No samba - primórdios da
querida Barroca Zona Sul do lendário Pé Rachado - juntamente com amigos que eu
fiz e que me são caros até hoje. Sempre estivemos juntos na função da bateria
do mestre Binha, filho do Pé Rachado. Éramos aprendizes de cavaco, logo nos
aproximamos para lapidarmos uns sambas. Nos partidos improvisados era um
repentista espirituoso e ainda recordo alguns de seus refrões! "Na
Vila quando nasce uma criança todo mundo canta todo mundo aplaude". Havia
uma viela na Rua Padre Machado na Vila Mariana onde morava a família do Pé
Rachado e da Dona Lurdes e que também era sede da escola. Ali todo mundo se
reunia e o samba era natural. Muitas foram as vezes que lá cruzei o Betinho de
onde saíamos num dia e voltávamos sabe-se lá quando. Por outra ocasião,
encontrei o Betinho trabalhando junto com sua família que criou a ACACAB - SP -
que produziu entre outras iniciativas culturais a Revista Ébano
brasileira onde ele escrevia uma coluna sobre samba – Reduto de Bambas -
e também dava aulas de percussão. Beto Cachimbinho era
um exímio percursionista. Por mais de 30 anos viveu nos terreiros de macumba
como ogã onde aprendeu não só os 16 toques originais do candomblé, mas
principalmente o significado de cada ritmo e o sentido real de todos os poemas
das canções em ioruba. O mestre ensinava: “Não é possível uma tradução literal,
pois a concepção do mundo do povo ioruba não pode ser simplesmente transportada
para uma linguagem ocidental”. Por
ocasião do Centenário da Abolição com o propósito de celebrar – Beto Cachimbinho criou o grupo Ejeb.
Produziu um musical ao lado de Marilza de Carvalho - cantora contralto com formação erudita e também
pesquisadora. O grupo Ejeb, além de Beto na direção musical
e nos atabaques, contou com a participação de Dorinho Marques (cavaco),
Miguel de Deus (violão), Odair Curuca (percussão), e participações especiais de
Luiz Vagner (guitarra), de Márcio Madrugada (cuíca), Tiquinho do Brasil
(violão) e Cido Floresta (percussão). Metade do repertório era de autoria do
Beto Cachimbinho. Músicas compostas em dialeto africano – ioruba – textos
recolhidos em pesquisas sobre o folclore principalmente em Angola, Nigéria e
Moçambique, resgatando as raízes da nossa cultura ancestral negra. Beto
Cachimbinho pesquisador de ritmos africanos, percussionista que foi dotado das
maiores qualidades e recursos deixou um legado musical raro e original assim bem ao estilo dos cantos populares de
tradição oral. Infelizmente não foram gravadas obras como Quatro Toques – I Wá
e Dá – Olorum Gbo Gbo – Ninorá – Tata Iyá. Vejam
este canto que era a capela na primeira parte e que depois entravam 3 ritmos:
bravum/gabi/avamunha. Muitas vezes ninei e depois ensinei minhas filhas cantarem essa canção.
TATA IYÁ - Beto Cachimbinho
Papai/ Mamãe -
"Esta música vai para as crianças
Com nossos desejos sinceros
Para que elas saibam
Distinguir sem erro o bem do mal"
Vungê, vungê, vungê baba mona iye
Lekeni iye anipekun amadê, ijexá kori
Lekeni iye anipekun...
Odara baba, monaiye
Oju oná iegba timbó giná
Tisi uatise hin, nigbá gbó gbó
Ijuba odara matin ipanilara,
Da bobó nagô Ijexá korin...
Aquele convívio foi muito bom para nós. Firmamos
nossa amizade e aprendemos mais sobre as verdadeiras raízes africanas. Mas quis
o destino pregar uma peça e em janeiro do ano seguinte Betinho faleceu e não
pôde prosseguir com aquele lindo trabalho. O Grupo Ejeb, que significa
"energia" fez mais algumas apresentações sob a liderança de Marilza
de Carvalho , mas já não era a mesma coisa sem a presença vibrante do Beto
Cachimbinho. Estimulado por ele em suas lições, fiz um ijexá com letra em
português para homenagear o alagbê - que é o chefe da orquestra de atabaques do
terreiro – que por ironia soou como uma espécie de réquiem em seu adeus. Beto
Cachimbinho despedia-se assim em sua coluna: "Fumaça para vocês
sambistas e não sambistas e muito axé!!!
ALAGBÊ Dorinho Marques
Canto em homenagem ao amigo Beto Cachimbinho
Gravação do grupo Sintonia (SP)
Salve sua origem
Salve sua bagagem
Amigo alagbê
A coisa mais bonita
Santa e bendita
Emana de você
Seu olhar é um luzeiro
Duas estrelas de fé
Mete a mão no couro
Canta companheiro
Irradiando axé
Amuleto yê, figa de guiné
Mal rompe a manhã
Já se põe de pé
Atabaques e cabaças... Korin auê
Afugentam as desgraças... Korin auê
Numa dessas felizes coincidências
no dia 2 de dezembro de 2012 dia nacional do samba, recebi um e-mail de Eduardo de Paula irmão de Beto Cachimbinho. Fazia anos que não falávamos. Com satisfação
aceitei o convite para escrever algo sobre a minha convivência com Betinho e nossas
parcerias. Para mim será sempre motivo de orgulho ter sido amigo de uma
criatura talentosa, generosa e virtuosa e que me ensinou muitas coisas. Tenho-o
sempre comigo guardado no fundo do peito. À Revista Sampa meu muito obrigado por proporcionar este momento.
Dorinho Marques
São Paulo, 5 de dezembro de 2012
“Quem põe as coisas no lugar é Deus, que é maior e tudo vê!”
“Quem põe as coisas no lugar é Deus, que é maior e tudo vê!”
SEM PALAVRAS PARA AGRADECER O QUE ACABEI DE LER...
ResponderExcluirEU,COMO O ULTIMO FILHO DE BETO CACHIMBINHO, E O QUE INFELIZMENTE, NAO TIVE A OPORTUNIDADE DE APRENDER ALGO COM ELE... POIS 5 DIAS DEPOIS DE SEU FALECIMENTO ESTAVA FAZENDO 1 ANO DE IDADE.
MAIS UMA VEZ AGRADEÇO DO FUNDO DE MINHA ALMA POR EU TER MAIS UM POUCO DA IDEIA DO QUE ESSE CARA QUE ESTA SEMPRE AO MEU LADO REPRESENTOU NO MUNDO!!!!
ADORARIA CONVERSAR SOBRE ESSAS INCRIVEIS HISTORIAS...
vinibianchinidepaula@hotmail.com
obrigadacpela lunda homenagem ao meu tio.... so veio boas lembrancas.... vc teria jais fotos dele para nos mandar....
ResponderExcluirmagdepaula@hotmaio.com
Nossa to sem palavras...pois ele era incrívelmente maravilhoso,a falta que ele me faz é tamanha...um orgulho de ser a filha do Betinho Cachimbinho...Muito obrigada pela homenagem...
ResponderExcluirtatabiani@ig.com.br
Gostei! Quando o Eduardo me falou fiquei bastante contente pq temos possibilidade de prestar esta homenagem na nossa revista.
ResponderExcluirAbs,
Gislaine Araújo
Editora-executiva Revista Sampa Carnaval e Turismo
Boa noite Dorinhos, fiquei extremamente emocionado com este artigo que fala de um ser humano, em que um época da minha vida me fez muita falta. Em suas palavras consigo ter o mínimo de ideia o quão foi e sempre será maravilhoso este ser.
ResponderExcluirFeliz e triste ao mesmo tempo, mas o senhor que rege todo este universo sabe perfeitamente com deixam seu filhos.
Obrigado por esta parte da minha história que até agora não conhecia.
Forte Abraço,
Eduberto Amauri Ferreira.
É uma honra para mim. O mês passado estive com uma grande amiga do seu pai - Marilza de Carvalho - e contei sobre os herdeiros do Beto. Ela ficou muito contente e disse que gostaria de conhece-los. Só por esses fatos já valeu muito a pena a matéria do blog. Aquele abraço
ResponderExcluirAdorei ver um artista tão pouco reconhecido e muito amado.
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