MIGUEL DE DEUS... UM BRÓDER DE FÉ.

Miguel de Deus, enquanto pôde lutou para exercer sua profissão de fé - compositor, cantor e músico. Nos anos 70 eu o conheci já na atividade. Morava em Santana numa  rua que recebeu dele uma homenagem através de um samba "Francisca Julia" - o mesmo nome da pequena rua, mas que para o mundo musical  guarda grandes lembranças. Miguel  agitava o pedaço. Integrante de um pioneiro grupo de psicodelia pré tropicalista. - Os Brazões (1969) - banda  que já explorava as influências africanas no modo de vestir, dançar e cantar e que misturava sons afros-brasileiros com rock, funk e soul.
Gravaram músicas de Gilberto Gil, Jorge Ben, Tom Zé e Jards Macalé - Estiveram nos Festivais - (com Tom Zé em São Paulo Meu Amor e com Jards Macalé em Gothan City). Acompanharam a emergente Gal Costa numa de suas turnês. Nos arredores  muitos conheciam Miguel - um artista extravagante para a época que andava em bandos com seus instrumentos a tiracolo. A sua casa sempre foi uma referência para os músicos. Quando os Novos baianos começaram a "passear na garôa de Sampa" costumavam ficar na casa da rua "Francisca Julia" reduto hospitaleiro e musical. Eu nesse tempo era só um observador daquela gente boa, cumprimentava a rapaziada, ouvia um som, e  partia pro meu futebolzinho de cada dia. 
Inspirados no fenômeno que foi os Secos e Molhados, Miguel criou o Assim Assado (1974) . Nesse período conheci o Darcio Ract, que tocava com Miguel e que se transformou num dos grandes baixistas do Brasil - Faz parte da banda do Roberto Carlos - Os primeiros acordes no  cavaquinho aprendi com Dárcio que era bamba no instrumento. Em 1977 convidado pela gravadora Copacabana Miguel de Deus gravou um importante disco para o movimento black brasileiro. "Black Soul Brothers".
Miguel de Deus ainda que tardiamente, foi  "redescoberto" na cena da black music com a realização de um documentário realizado por Rubens Pássaro: <Sou diretor do documentário Black Soul Brother, que conta a história do músico Miguel de Deus. Músico que tocou nos anos 60 com os Brazões, acompanhando nomes como Gal Costa e Tom Zé, e no início dos anos 70 tocou no grupo psicodélico Assim Assado, para logo após integrar a cena funk soul nacional com o disco Black Soul Brother.O filme conta com depoimentos de Miguel de Deus, Marcelo D2, Rappin'Hood, Nelson Triunfo, Taco - baixista dos Brazões, Ivan Tiririca e Lula Barreto - ambos músico da União Black, e o Dj Paulão.> Link com trailer: 

Apesar do talento musical, como muitos artistas brasileiros, Miguel não conseguiu sustentar uma carreira sólida ao longo dos anos. Sobreviveu como músico de retaguarda para muitos intérpretes da mpb e tentou produzir alguma coisa independente, na época em que ser independente era ficar à margem do mercado, e teve que ir pra batalha nos "bares da vida" onde o desgaste é natural. Por volta de meados dos anos 80, nossos caminhos se cruzaram e levado por ele,  fui participar no carnaval da  tradicional Banda Redonda. Nessa outra faceta do Miguel conheci seus amigos; Carlos Costa "o general da banda" , o radialista Moisés da Rocha e outros mais. O hino da banda é de autoria de Miguel e seu parceiro Orlandinho que até hoje ecoa no único desfile anual da banda - "Redonda, Redonda, Redonda essa que é a nossa banda! " . A partir de então começamos a fazer samba juntos. Nesse período, fizemos parte de um grupo da zona norte de Sampa chamado Sintonia . 
Miguel e grupo Sintonia
No ano de 1987 fizemos uma parceria: eu, Miguel, Márcio e Jeferson e emplacamos um samba enredo na querida Barroca Zona Sul. Miguel foi o intérprete na gravação e na avenida e a escola foi campeã do acesso voltando a desfilar no grupo especial. Miguel saiu-se bem como puxador porém no ano seguinte a escola não o convocou para repetir o feito. Ainda em 1987 a convite de Beto Cachimbinho integramos o grupo Ejeb que produziu um engajado trabalho de resgate da cultura afro-brasileira e que foi interrompido pela morte de Beto. Miguel de Deus seguiu em frente cantando pelas madrugadas afora. Êle acima de tudo foi um cultuador da música ao vivo; do contato amigo do artista e o público. Como tantos músicos da noite Miguel sobreviveu  a duras penas cantando e tocando "covers" para uma platéia boêmia que pouco sabia da sua criatividade que ficou adormecida na época do "Black Soul Brothers" . Miguel agora faz parte da constelação dos pioneiros da música black, mas também será  lembrado entre os foliões da Redonda  e em alguma roda de samba desta cidade.
Vejam mais: arquivo Miguel de Deus - revista virtual - http://www.freakium.com/edição5 migueldedeus.htm -  Procurando na internet, encontrei uma comunidade dedicada a Miguel, criada por seu filho Miguelito, que conheci pequeno , herdou a musicalidade do pai e já atua no ramo artístico - Grupo de rap Ponto Negro - Miguelito escreveu sobre o pai: 
"Que Deus o tenha! Saudades muitas, mesmo. Foram muitos bons momentos e alguns difíceis. Sempre terei como espelho o meu pai. O meu orgulho. Mesmo estando longe, bem distante de você, perdido na brisa daquela cidade... Tudo bem difícil, mais difícil ficou, depois do adeus, do até nunca mais... Eu não sabia o porque. Perdido na brisa daquela cidade!".


Comentários

  1. Pois é... Miguel de Deus!
    Tocamos (Dárcio, Batista, Beto, Marquinhos, eu...) com ele e ainda mais Pepeu Gomes!
    Foi um tempo interessantíssimo...
    E era rock e coisas do Brasil, mas numa vibe provavelmente muito diferente da que vc viveu com ele...
    Miguel de Deus era um camaleão..., transitava em tudo, era muito intuitivo e experiente...
    Isso de que falo, claro, foi no início dos anos 70, muito antes dos 80!
    Ele tinha acabado a fase "Os Brazões"...
    Esteve conosco na época do que se chama hoje de "psicodelia"...! kkkkk
    Era tudo maluco mesmo....
    Depois fomos cada um de nós para outras veredas, perdi contato não só com ele, mas com tanta gente maravilhosa com quem tive a honra e o prazer de caminhar trechos curtos ou longos da vida...
    Após os 70 mergulhei em tantas outras que nem sei mais...
    Mas é muito bom e gostoso reencontrar os amigos, revisitar momentos, mesmo que alguns de nós já tenham encerrado sua jornada por aqui...; sabemos que tudo permanece, a vida continua bem além do "vivo-exclusivo" aparente!
    A realidade da vida é muito mais rica do que o "corpo vivo-exclusivo"...
    Se tratar bem das coisas dá até para experimentar, mesmo encarnado, essas outras condições e meios de vida de onde viemos e para onde voltaremos..., e visitamos inconscientemente quando dormimos....; isso é sabido.
    Nosso Miguel, que aqui fora de Deus, agora mais que nunca está e continua entre os seus - e aqui apenas exploro um trocadilho ao gosto da psicodelia da época! JASON BORBA

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    1. Jason Tadeu Borba, tenho conhecimento que vc juntamente com o Miguel integrou o Assim Assado. Poderia nos informar quem foram os demais componentes do grupo em toda a sua trajetória??

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