OSSOS DO OFÍCIO



Salve gente boa do Samba! Gostaria de falar um pouco sobre minha experiência com as Escolas de Samba e no que compete a mim, ao ofício de compositor.  Minha estréia no carnaval paulistano foi no ano de 1975 – quando compus um samba enredo para a Barroca Zona Sul do lendário Pé Rachado – Para um jovem aprendiz, foi uma oportunidade única para exercitar a veia artística. O cenário das Escolas naqueles tempos não se parece nada com o que podemos observar hoje. As escolas em sua grande maioria, não possuíam quadras de ensaios e resolviam o problema em espaços provisórios alugados, emprestados ou nas ruas, com todo tipo de contrariedades que o fato acarretava como queixas de “vizinhos” e até proibições executadas pela polícia. Não era fácil. Um compositor dessa época quando criava seu samba enredo corria cantar nos ensaios, nos bares ao redor e ia colhendo seus simpatizantes no gogó, pois microfone era luxo! Quase sempre o povo da Escola avaliava antecipadamente o samba que iria para a avenida. Outro fator muito positivo era uma prática comum nos locais onde os sambistas se reuniam e todos os compositores, de agremiações diferentes, “subiam” para cantar seus próprios sambas de enredo, de quadra, de meio de ano. Hoje raramente se ouve alguém cantando um samba novo, falando da vida da sua escola etc. As escolas formavam suas Alas de Compositores e isso estimulava a participação de novos compositores. Enfim os recursos eram poucos, mas a atividade sambística era bastante intensa. Nada a ver com o que observamos agora nas principais quadras de São Paulo quando os concorrentes disputam maratonas onde além do samba, também há uma preocupação com o desempenho dos intérpretes e do “festival de balões e papéis” das torcidas o que só vem “mascarar” a mostra da qualidade da composição que deveria ser o fator principal. Já foi dito que isso anulou a participação de muitos compositores que são avessos a esse clima competitivo demais e que requer um investimento razoável para ter a chance de ser notado nas eliminatórias. Mais uma vez perde o Samba. Alguns cedem “parcerias” para poderem ter o patrocínio e isso compromete a lisura do concurso. São formadas as “firmas” e armações de toda espécie. A ala de compositores virou adereço. Bem, para dizer a verdade são muitos os interesses que hoje distorcem a escolha do samba enredo e o futuro é incerto.  Não quero dizer com isso que deveríamos voltar ao passado, a evolução é natural, mas convém observar um detalhe importantíssimo: as composições daqueles tempos comparadas às de hoje são melhores? Muitos sambas de outrora estão aí até hoje e o sambista lembra e canta nas rodas. Os sambas de agora duram um verão e logo são esquecidos. Penso que isso tem a ver também com os temas enredos elaborados pelos atuais carnavalescos que são verdadeiros delírios em nada ajudam na feitura da letra do samba e que embora seja cantado pelos componentes da escola não é assimilado pelo público. Há exceções é claro, mas a tendência já atingiu uma grande parte das escolas. Outro aspecto que podemos observar é que a “linhagem do samba” a identidade que cada escola possuía torna-se cada vez mais pasteurizada com o rodízio de compositores e intérpretes entre as agremiações. A cobertura dos desfiles que é de interesse da rede de TV contribui para a estagnação e a ignorância. Não há crítica, não há comentários pertinentes, não há polêmicas, não há questão política, não há nada é como um espetáculo insípido que reproduz o sistema atual todos os anos. Eu acredito que vários fatores no decorrer dos anos conspiraram para a situação atual. Vou discorrer alguns: A “profissionalização” dos intérpretes e compositores; o aumento  do poder da Liga na ingerência dos assuntos internos de cada escola; o surgimento do “grupo cover” ocupando o espaço musical nas quadras; o aumento da importância dada a outros setores da escola que não a música;- nada contra, porém ao reduzir a voz do compositor (uma cabeça pensante) muitos valores fundamentais foram sendo “deixados de lado” - . Atualmente todo o direcionamento da escola é para o desfile de carnaval. A atividade de uma escola pode e deveria ser ampliada para fortalecer os aspectos culturais, sociais etc. Portanto o que os presidentes e diretores das entidades fizeram foi a eliminação da postura política dentro da entidade, do contraditório. Sem opinião não há contestação e daí segue a romaria com todo mundo na mesma desafinada ladainha. Até a próxima.                                                             
                                                           Agosto de 2011
                                                                    Dorinho Marques
                                                             dorinhomarques@yahoo.com.br  

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O SAMBA RURAL PAULISTA.

MESTRE PÉ RACHADO

THEREZA SANTOS - MALUNGA GUERREIRA