CONTEÚDO E EMBALAGEM


Atualmente eu presto atenção apenas à voz do coração. As outras tantas vozes criam uma espécie de sinfonia paranóica. Quem tem razão? Quem está com a verdade? Eu? Também não. Então o silêncio apesar de inquietante no princípio ainda é o melhor condutor. Não vivo debruçado em estudos e leituras, bebo da palavra quando sinto sede. Aí dá vontade de aprender algo por intermédio do outro e aí recomeça a busca.  O caminho passa pelo coração que mais apanha do que bate, porém o seu pulsar é no ritmo do samba e ele quer o nosso bem e, por conseguinte o bem do próximo e daí não importa de onde vem ou para quem vai o afago. Assim alguns versos podem vir a ser um novo samba. A responsabilidade de assinar o que passa pela nossa cabeça não é brinquedo não.  Embora a experiência acumulada é de alta serventia a feitura de uma nova composição requer o trabalho minucioso de um artesão paciente e caprichoso pois a maioria das vezes a composição nasce em pedra bruta e só a lapidação é que poderá transformá-la em uma joia.
O conteúdo da alma do artista a Deus pertence, mas a embalagem é por nossa conta e as pessoas só pagam se vier bem embalado.
Alguns defendem que deveríamos respeitar a cultura regional com suas tradições, outros dizem que isso não é mais possível devido à intercomunicação midiática. Acredito que o processo de mistura já se instalou e é inútil apegar-se a defesa de conceitos cristalizados. Então podemos representar um segmento dessa multifacetada cultura popular sem esbarrar em idéias preconcebidas de que existe algo puro a ser preservado. Com licença pelo uso da metáfora, a cultura popular não é uma “inocente virgem” guardada por um pai severo, mas sim uma formosa senhorita que tem o direito de escolher o “noivo”. Se o “casamento” não der certo, paciência a vida segue tentando e no fim o resultado servirá de exemplo para futuras escolhas. O caldo cultural de cada lugar produz diferenças sim, algo como temperos e cheiros, mas a pasteurização é promovida pelo movimento mais "forte" e as diferenças acabam se diluindo, mesclando gêneros com resultados bons ou desastrosos dependendo da proposta. Hoje até no Japão tem gente que diz que faz um tipo de samba! Dependendo da criatividade do artista isso tem importância também. Não acho que valha a pena alguém se apegar a folclores rançosos para "resgatar" algum "elo perdido". A dinâmica dos tempos modernos atinge a tudo e há muita coisa que não despertará interesse para as novas gerações, então inútil insistir com conceitos muito rígidos. Mas para um compositor nascido nessas plagas ou que adotou São Paulo de coração quando for compor um samba de temática que fale da sua aldeia paulista que fique bem claro que é urgente e preciso defender seu espaço invadido por sertanejos de todos rodeios, sons universitários de todas dificuldades, muambeiros de todos os ritmos, cibernéticos endoidecidos e migrantes "marrentos" que é o que não falta por essas bandas. Quando a briga é por espaço, se alguém tenta nos engolir a gente abre os braços. O sonho é pelo socialismo mas a realidade é capitalista! 

                                                                          Janeiro 2012
                                                                       Dorinho Marques
                                                              dorinhomarques@yahoo.com.br

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