SONHO OU PESADELO ?


Sonhei que estava tendo um pesadelo. Foi assim um sonho mau e muito sinistro, tal a dimensão para onde fui transportado. Também acredito que a vida é sonho, mas e a realidade o que é? Era disso que tratava o meu pesadelo. E lembro que eu não estava, como se diz na minha terra, de bucho cheio de uma feijoada completa, nem alucinado por drogas. O único efeito que ocupava minhas entranhas era o da dose cavalar de realidade que amealhei por anos e anos a fio vivendo numa megalópole como São Paulo. Era um pesadelo árido. O lugar que eu estava era de cor pastel, quase um bege e meu corpo parecia um ser translúcido como uma água-viva, só que não tinha água, eu suava frio, mas o suor era seco como talco e minhas narinas ardiam por conta de uma densa fuligem. Se eu tremia? Sim, estava apavorado com a falta de vida visível. Eu ia cambaleante entre cacos e penduricalhos, entre piches e chicletes pegajosos e tinha a impressão de que mãos com garras afiadas iam riscando meu já combalido corpo. Meus pés descalços soçobravam em poças de vômitos nauseantes. Por vezes o pesadelo era interrompido pelo sonho e eu via apenas um corpo inerte que em nada se parecia comigo. Vultos se avantajavam à minha frente, porém indefinidos, dissipavam feito fumaça. Eu buscava dentro do sonho uma compreensão razoável quando o pesadelo recrudescia e de novo eu me via apavorado. A realidade também é assustadora, mas a tecnologia cria uma espécie de redoma de vidro que protege, conforta. Com um simples clique, uma luz acende ou apaga uma imagem aparece e desaparece ou uma voz ecoa. O pesadelo não, ele é entre outras coisas, claustrofóbico. Ele nos conduz. Ficamos a mercê. Pensei em fugir para outro lugar e nada. Gritei e a resposta foi o silêncio. Recorri aos truques virtuais que aprendi na informática e fiz uma busca ampla e irrestrita. A minha indagação ficou no éter! Pensei: (se é que no sonho o pensamento pensa). - Acho que me falta Deus no coração ou então peguei o bonde para o inferno. Pus-me a rezar... Aquelas orações de catecismo... Como eram? Não lembro mais... Ah, os sonhos sempre terminam! Ora com final feliz, ora nem tão, ora infeliz. Minha cabeça orbitava aquele caleidoscópio maluco e o pesadelo parecia não terminar. Seguia o meu pesadelo agudo, grave e obtuso. Pensei que eu era um sujeito do bem, existencialista, mas não individualista a ponto de só ter sonhos exclusivos. Aquela coisa anos 70 do raciocínio em bloco eu confesso que tentei, então porque tal pesadelo? Implorei, clamei pelo ocaso, fosse qual fosse e nada! Seria eu apenas um simulacro dos amigos virtuais? Meu pesadelo era um fake da minha mente? Ouvi um barulho estrondoso! Kabrum! Acordei daquele sonho ou pesadelo, nem sei, mirei o espelho e vi um rosto pálido com a baba plástica e elástica escorrendo pelo canto da boca e olhei pela janela lateral do aerotrem, tal vertiginosos estavam meus pensamentos. Passei triscando pelo marco zero! Parei na Estação da Luz. De repente tudo clareou, vi o sonhador solitário atormentado, mas cônscio compreendendo que sonhos e pesadelos sempre chegam ao fim.                                                         Dorinho Marques
                                                                                                                                        dorinhomarques@yahoo.com.br                                                                        






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